terça-feira, 30 de setembro de 2008

carta ao filho


você é apenas um nome 
talvez nem isso
um sonho um delírio a perseguir na memória 
[quem sabe sentimento de culpa!?]
teu silêncio uma paisagem turva 
                               & entorpecida
[o que haveria de mais fascinante 
                             numa infância?]
bom & brando se uma mão ali estivesse 
dizer de uma estação que me alegrasse 
tênue  tempo de alegria
se ao menos você soubesse disso 
tua ausência sempre me sufoca 
uma nova busca
[palavra rouca & interditada 
não vem de você mas de mim] 
tudo isso não chegará a você 
como de costume
nem tornará o mundo compreensível 
para mim [nós]
assim tenho terminado a vida sem você

segunda-feira, 30 de junho de 2008

pão do tédio


velhas mãos modelam o queixo

longa tarde desbotada em sua quietude 
no olhar do cão um deserto a perseguir 
na estante a beleza calada
como tudo mais na casa 
[uma varanda por varrer
um outono por retirar da relva] 
esse diário de páginas inúteis 
& o amontoar de amargos dias
[vinte e nove de novembro... caros amigos...] 
nada leva nada traz
sequer o filho virá esta  estação
& provável que nem às próximas 
rotas alteradas
                        o descarrilamento de vez 
[a voz do exílio chegando
                                         sob o lodo de tua boca] 
sua vista oculta pelo silêncio
seu tosco coração aquecido em sopa
em nada lembra o vigor de sua escrita 
agora move-se entre rasuras & nada mais 
a náusea de um canto escuro & mudo 
um amor fechando-se em sílabas
sequer o filho virá esta  estação
& provável que nem às próximas 
rotas alteradas
                        o descarrilamento de vez 
[a voz do exílio chegando
                                         sob o lodo de tua boca] 
sua vista oculta pelo silêncio
seu tosco coração aquecido em sopa
em nada lembra o vigor de sua escrita 
agora move-se entre rasuras & nada mais 
a náusea de um canto escuro & mudo 
um amor fechando-se em sílabas
mneumon vor der lethes


siehen die Gottolosen
auf den Felde
vernichten
die Sarons Rose

[tradução: ernani chaves]
[benoni araújo.
não por acaso dispersos, 2008]

velar o amor ou a morte
já não havia diferença
[ali estava a voz que apenas
não queria se transformar em gemido]
as palavras
................

                    escorrem horizontais
ajudam a dissolver os dias
a chuva ao final da tarde
nada além de lamentos
adorna esta cidade de porto
...............................sem marsua atmosfera de limo
& sempre a espera
destina-se a mim uma velha bússola
um mapa rasurado uma filha
heranças inconclusas

........................& de um sabor tártaro

[benoni araújo. não por acaso dispersos, 2008
]
port bou: a fronteira de um atrabiliário



trouxeram-te a melancolia por herança
ninguém a suportaria
destinatário desta solidão
amigos te escreveram & escreveram
as cartas nunca chegaram
refugiado numa rua de mão única
dela fizeste tua trincheira
uma esperança tão inútil
quanto as asas de um anjo
[filho predileto teu olhar teu horizonte
estilhaçados]
nem tudo melhora depois de uma guerra
amor morte selos postais: o que mais
caberia em tua maleta de passagens?
já não corres atrás de uma aura
mal atravessaste os pirineus
caíste na última fronteira da razão
nem te adiantaria colher flores
à margem de um rio
[resolveste te juntar a elas!]

[benoni araújo. não por acaso dispersos, 2008]
diário silencioso do último ano



cacos espelhados de narciso no quarto
quantas imagens fui [& já não sei?!]
palavras postas páginas mortas
.......................................neste dia
[estou cansada cada vez mais...& insatisfeita]
olhos rasos de água
mergulhada no tejo & no tédio
esse amor não quer que respire
no mar nem na mágoa
morrer à míngua & de excessos
a quem apelar [apeles?!]
uma alma um mal silencioso & asfixiante
sombra fugidia de um sonho
para sempre perdido
não devem haver gestos novos
apenas desejos vãos & fanatismo
mágoas saudade flor reliquiae
[à tua espera então entorpecer-me etc]

[benoni araújo. não por acaso dispersos, 2008]
keine rose für celan



esse espinho que atravessa teus olhos
cria a raiz de um silêncio
lugar de ausência & ansiedade
verbo sem carne
carne sem fibras
[eterna tradução de ninguém]
selam com a morte estas unhas cheias de terra
[lavras o campo ou as campas ?]
a rosa testemunha as larvas
num outono que consome folhas
em tuas mãos
despetalado entre pedras
em sílabas entrecortadas pelos lábios
a fratura da palavra
num grito de desaparecimento
[ou silêncio nas águas lustrais do sena]
atalho que conduz ao abismo
longe dos homens & de deus

[benoni araújo, não por acaso dispersos. 2008]